Não há fórmula química para se fazer um cientista ou um aficionado pela investigação. «É um gosto que se cultiva», diz Paula Gomes. A professora, coordenadora da Rede de Pequenos Cientistas (RPC), da Escola Secundária de Barcelos (ESB), fala com orgulho dos alunos que fazem parte deste projeto e do trabalho desenvolvido.
Formada no ano letivo 2008/2009, a RPC nasceu sobretudo da «necessidade de criar um espaço extra-aula», em que os alunos tivessem oportunidade de experimentar aquilo que as aulas teóricas ou mesmo as aulas práticas não permitiam, por não serem suficientes «para as invenções e para as ideias que eles [os alunos] tinham em mente», explica ao Obli Paula Gomes. Esta ideia foi aliada à competição, «porque a competição também acaba por estimular e obriga-os a irem fundamentar mais as informações».
O projeto, que «começou de forma muito discreta», foi atingindo um patamar de reconhecimento e importância, que deixa os alunos, segundo Paula Gomes, «completamente motivados».
Apesar de estar envolvida em várias atividades de divulgação científica, a RPC tem no “Grande Laboratório” – um concurso de experiências inter-escolas – a iniciativa mais visível. O primeiro “Grande Laboratório” realizou-se em março de 2009. Naquele ano, havia apenas dois níveis de competição: 3.º ciclo (que contemplava apenas o 9.º ano) e ensino secundário. Mas o interesse dos alunos pela ciência e investigação era crescente. «Lembro-me perfeitamente de um miúdo do 7.º ano, que me apareceu à porta do laboratório, e que do bolso de trás das calças tirou um projeto e disse “Professora, este ano tem de abrir a competição para o 7.º ano, porque não posso esperar até ao 9.º ano para apresentar o meu projeto”», recorda a coordenadora da RPC.
O atingir de um patamar de excelência do Grande Laboratório foi resultado de um «salto qualitativo muito grande», que se deve, em muito, ao «papel importantíssimo que uma cientista barcelense, a Doutora Renata Gomes, teve e à ajuda que deu», reconhece Paula Gomes.
«Este projeto é uma lufada de ar fresco e de felicidade que me motiva diariamente»
Em 2012, a pedido dos estudantes e após falar com Paula Gomes, Renata Gomes viera à Escola Secundária de Barcelos, falar de ciências forenses. Após essa palestra, no dia 8 de junho, Paula Gomes convidou a cientista barcelense para ser madrinha da RPC e Renata Gomes aceitou. «Sou madrinha da Rede, desde 8 de junho de 2012, isso nunca mais me esqueço», diz ao Obli Renata Gomes. «E sinto-me uma felizarda em fazer parte deste projeto, pois é algo que me traz muita alegria e mais trabalho, claro, embora não tanto quanto à professora Paula e a todos os docentes da ESB, que trabalham arduamente e como uma grande família durante o ano todo. Este projeto é uma lufada de ar fresco e de felicidade que me motiva diariamente», garante a cientista barcelense. «Eu sinto-me honrada por ter o privilégio de fazer parte da RPC», acrescenta.
Renata Gomes diz ainda que os alunos que pertencem à RPC são parte de algo que «está a fazer história»: «podem não perceber ainda, mas são parte de um projeto que está a revolucionar a forma futura do ensino, estão a ajudar imenso para que já se fale em remodelação de formas de ensino, na ciência e além disso», clarifica a cientista barcelense. «São um orgulho», conclui.
«Isto é um gosto que se cultiva»
Quando questionada se só faz parte desta RPC quem realmente gosta de ciência ou se se aprende a gostar, Paula Gomes diz que «isto é um gosto que se cultiva». «O que eu tenho vindo a notar é que começámos até de forma bastante discreta, com um núcleo bastante restrito, mas estamos agora com um grupo bastante alargado e, portanto, eu acho que, de facto, os alunos vão cultivando o gosto por esta área do conhecimento», reforça a coordenadora da RPC.
E o estímulo parece resultar não só dos «programas aliciantes», de que é exemplo o do “Grande Laboratório” deste ano, mas também, entende Paula Gomes, do facto de terem sido estabelecidos protocolos com unidades de investigação e universidades – várias escolas da Universidade do Minho (UM), o grupo 3 B’s também da UM, Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto e estão a iniciar cooperação com o IPCA – que «têm permitido premiar os vencedores com estágios». A coordenadora da RCP acredita que esta acaba por ser «uma parte muito aliciante para os alunos, porque eles sentem muitas vezes necessidade de ir para o terreno, para os laboratórios, ver que trabalhos se fazem, para tentarem efetivamente confirmar se aquilo poderá fazer parte do futuro deles».
«Espero um dia conseguir descobrir ou inventar algo que possa ajudar as pessoas»
José Miranda, com 16 anos, foi um dos premiados da edição passada do “Grande Laboratório”, na categoria de Biologia – Secundário. Pode dizer-se, aliás, que é um vencedor, desde a primeira participação. «No meu 9.º ano, participei pela primeira vez e o meu grupo foi vencedor. No ano seguinte, participei novamente e a minha equipa foi, mais uma vez, vencedora», conta ao Obli.
Na edição passada, o estudante – juntamente com três colegas – apresentou então um projeto que envolvia o uso da microalga Chlorella Vulgaris como depuradora de águas. «Na nossa experiência, estudámos o desenvolvimento desta alga em águas com diferente grau de poluição, incluindo águas do rio Cávado e recolhidas à saída da ETAR de Barcelos. Os meios onde a alga se desenvolveu mais eram os mais poluídos, pelo que as águas da ETAR foram as que se provaram mais poluídas, o que de certa forma foi inesperado», explica.
Distinguido pelo júri, o jovem teve oportunidade de estagiar no IPO do Porto, durante 15 dias, os quais garante não mais poder esquecer. «Foi realmente cansativo, mas seguramente compensador. Foi um estágio muito motivante e confirmou algumas incertezas quanto a futuras decisões de carreiras a seguir», confessa. «Algo que me marcou ainda mais foi a interação direta com os estudos pioneiros dos investigadores, o que abriu novos horizontes e sugeriu novas ideias de trabalho que poderão ser aplicadas numa futura carreira e até mesmo num futuro próximo», considera.
Interessado, desde muito pequeno, pela investigação e pela ciência, José Miranda diz que «obter uma explicação para a origem das coisas e explicar fenómenos naturais continua a ser fascinante». «Olho para a Ciência como a explicação racional de tudo quanto existe e graças a ela que o Homem evolui», atenta. O jovem espera seguir algum curso que envolva a investigação laboratorial e confidencia: «espero um dia conseguir descobrir ou inventar algo que possa ajudar as pessoas».
José Miranda vai participar no “Grande Laboratório 6”, onde espera repetir vitórias anteriores, mas não adianta pormenores sobre o projeto que apresentará, devido à «elevada competitividade» de que se reveste o concurso atualmente.
Martinho Figueiredo, também de 16 anos, apresentou na edição passada o projeto de umrobot controlado, através da internet, por um computador, trabalho que realizou juntamente com três colegas. Como prémio, Martinho estagiou, durante uma semana, no centro de investigação 3 B’s. «Foi uma experiência fantástica, pois deu-nos conhecimento sobre como funciona a vida de investigadores e das tecnologias que são utilizadas no nosso país e das inovações que por cá se fazem», conta ao Obli. O estudante vai participar este ano, pela terceira vez, no “Grande Laboratório”, com dois projetos – um em Físico-Química, outro em Biologia – que estão «em segredo dos deuses».
Sexta edição do “Grande Laboratório”
Este ano, naquela que é a sexta edição do “Grande Laboratório”, estarão 161 alunos (mais 41, que em 2013) de 11 escolas da região Norte, que se repartem por 45 equipas a concurso. «Apesar de termos uma escola muito grande, também começamos a ter, mesmo assim, limitações no espaço. Temos oito laboratórios que podemos ocupar, nas áreas da Biologia, Geologia, Física e Química, portanto, neste momento, estamos confinados a este espaço e estes 161 alunos foram aqueles que nós vimos que cabiam», explicou ao Obli Paula Gomes. Nesta edição, haverá mais uma categoria a concurso: além da competição a nível do 3.º ciclo e ensino secundário, nas áreas da Biologia, Geologia e Física e Química, há também, por solicitação dos alunos, uma categoria que se destina ao 2.º ciclo.
Esta iniciativa contará ainda com a presença de dois cientistas que foram já distinguidos com o Prémio Nobel da Química – Jean-Marie Lehn, em 1987, e Aaron Ciechanover, em 2004 –, de Maria Manuel Mota, investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Prémio Pessoa 2013, e de Hugo Sousa, do IPO do Porto.
Paula Gomes diz que esta edição «só pode ser um sucesso»: «muito francamente, pela quantidade de gente que está motivada, pelos números de intervenientes, pelos excelentes palestrantes que conseguimos trazer até cá e pelo empenho que nós, comunidade escolar, temos colocado neste projeto, acho que isto só pode ser um sucesso». «Este é um projeto que está a ser cada vez mais trabalhoso, que exige muito empenho, muita dedicação», garante, mas ressalva: «é um trabalho que nos tem dado motivo de orgulho, que nos tem dado vontade de trabalhar cada vez mais e melhor».
| Reportagem publicada na edição online do Obli |