“A pintura requer muita entrega e muita disponibilidade”

Começou por assinar a maiúsculas. AFMACH. O nome artístico surgiu-lhe por necessidade, logo no princípio. “Então, olhando para o meu próprio nome, que é António Fernando Leite Machado, peguei nas iniciais. Mas isso aconteceu naturalmente. Podia pôr “António Machado”, mas deu-me para um nome diferente e veio daí”, explicou Afmach ao JB. O nome vai ficar para sempre ligado à obra, à pintura e ao barcelense que sente o prazer da “descoberta” na pintura.

Afmach é o mais velho de oito irmãos. Todos têm o gosto pelas artes, mas apenas António Fernando Leite Machado fez desse gosto modo de vida. Ao longo de vários anos, a pintura viveu a par de outras actividades profissionais. Entretanto, há cerca de 20 anos, vive da pintura, até porque esta requer “muita entrega e muita disponibilidade”. Afmach tem 60 anos e é natural de Barcelos. A cidade – desde logo a feira semanal e também a ponte e o castelo – é tema frequente, mas a obra é mais vasta.

Afmach, são já 40 anos dedicados à pintura. Vamos falar deste seu gosto pela pintura. Como surgiu?

Desde miúdo que já tinha uma certa queda para o desenho e depois, mais tarde, na minha adolescência, é que me interessei verdadeiramente pela pintura, ao ter conhecimento da história da arte. De lá até cá, tem sido um processo praticamente sempre ligado às artes. E isto é uma aprendizagem constante, estou sempre a aprender todos os dias.

Uma aprendizagem constante, em particular, por ser autodidacta.

Eu nunca andei em Belas Artes. Isto é tudo fruto de um trabalho árduo, um caminho muito mais longo que tive de percorrer, porque um autodidacta, pelos seus próprios meios, demora mais tempo a aprender as técnicas. Mas o resultado é diferente. Embora pudesse ter sido um processo mais rápido se tivesse aprendido técnicas de pintura, se não tivesse que aprender por mim mesmo, a criatividade é uma coisa inata às pessoas, que não se aprende, por isso, foi um caminho mais longo, mas acho que tenho um trabalho mais original, com menos influências. E já la vão 40 anos.

Recorda-se do início, de ter começado a pintar?

A princípio, desconhecia que havia telas e pintava em panos e outros materiais. Os meus trabalhos começaram assim. Os primeiros trabalhos a óleo foram feito teria eu 17 ou 18 anos. Já antes fazia muitos desenhos e pintava sobre o papel, mas verdadeiramente, em tela, comecei a pintar quando tinha 17/18 anos. Mas aquilo não era bem tela, eram panos e aquilo ‘chupava-me’ a tinta toda e eu via-me negro, não ganhava para tinta… Até que cheguei lá. Comecei a comprar bons materiais, a partir daí foi sempre.

Barcelos acaba por estar muito presente na sua obra. É essa a temática mais frequente?

Barcelos entra sempre na minha obra. Primeiro, foi por razões comerciais, porque toda a gente gosta da feira e da ponte e era um quadro que me permitia vender facilmente. Vendia, não, trocava por dinheiro. E isso permitia-me andar com o meu trabalho. Nessa altura, era um pouco mais comercial, agora, já pinto mais aquilo que quero, mas Barcelos, mesmo assim, fará sempre parte do meu imaginário, porque eu nasci aqui. Adoro pintar a feira. É um tema que me encanta, porque tem muita cor e movimento e pessoas. É um tema que abordo constantemente na minha pintura. É a feira de Barcelos e aquela parte da ponte e do castelo.

“O que me leva a pintar é a descoberta, sempre, nunca é nada premeditado”

Inicialmente, optava por Barcelos, por uma questão mais comercial. Agora pinta o que quer e gosta. O que podemos encontrar nos seus quadros?

Neste momento, tudo é possível, porque estou sempre a tentar inovar. Eu próprio não sei o que vou fazer. Quando pego num quadro, não faço a mínima ideia, porque se soubesse, digo-lhe já que perdia a vontade de o fazer. O que me leva a pintar é a descoberta, sempre, nunca é nada premeditado, salvo raras excepções em que tenho de fazer alguns trabalhos que me pedem por encomenda. Quando pinto um quadro, vou construindo aos poucos até ter o resultado que quero. A pintura requer muita entrega e muita disponibilidade.

O Afmach tem 40 anos ligado ao mundo das artes. Acabou de dizer que a pintura requer muita entrega e disponibilidade. Teve sempre essa disponibilidade que a pintura lhe exigia ou teve também de optar por outras actividades a nível profissional?

Profissionalmente, vivo há 20 anos da pintura embora não tenha sido sempre pintor. Já desempenhei várias actividades que nada tinham a ver com a pintura só que ela estava sempre presente.

Teve de se ir adaptando às várias actividades para poder manter também este gosto.

Exactamente. Isso também me permitiu poder pintar. O meu foco era sempre a pintura, embora estivesse a desempenhar outras actividades e, às vezes, trouxe-me problemas, porque estava um pouco na lua e, às vezes, despistava-me no trabalho. Foi todo o tipo de trabalho que fiz até há muitos anos. Na altura, tinha de conciliar as duas coisas, o trabalho com a pintura, para poder viver.

Vai notando que agora as pessoas estão mais receptivas à pintura, à arte, do que no passado?

Neste momento, estão muito mais abertas, mais receptivas à arte e têm outra mentalidade. As pessoas já aceitam outro tipo de pintura, sem ser a clássica e a realista. Já têm a mente mais aberta a outro tipo de pintura, seja ela abstracta, surrealista ou futurista. Há uns anos, as pessoas não entendiam muito bem. Aceitavam a paisagem ou um retrato, mas agora há uma parte de pessoas que já nem liga praticamente à pintura realista, está mais virada para a pintura de vanguarda, contemporânea.

Como caracterizaria a obra que faz, a sua pintura?

Eu recebi tantas influências que, depois, decidi fazer uma espécie de cozinhado com isso tudo e, no fim, olhe, saiu este prato, que é o Afmach. Que é um prato agridoce, às vezes. Uma grande parte das pessoas não acredita que sou autodidacta, isso é a primeira coisa que dizem “não acredito”. Felizmente, as pessoas são receptivas à minha obra, gostam do meu trabalho, salvo raras excepções, mas a maior parte gosta do meu trabalho, mesmo sem me conhecer. Mas, se não gostassem, continuava o meu trabalho na mesma, eu sou obstinado no meu trabalho. Mesmo desde o princípio da minha carreira, tive a sorte de as pessoas gostarem do meu trabalho, talvez por ser muito honesto naquilo que faço e por me entregar àquilo que estou a fazer, não pintar de ânimo leve, pinto sempre com intensidade e com inspiração, se a tiver. Se não a tiver pinto na mesma. A inspiração é mais vontade de o fazer. Não é à espera de um clique, “vem aí a inspiração, vou pintar”, não.

E sente essa inspiração, essa vontade, diariamente?

Por vezes, sinto-a porque tenho de pintar mesmo, porque vivo da pintura. Outras, tenho mesmo necessidade de pintar, como um escape, para manter um certo equilíbrio, para me sentir bem, é quase como que respirar para mim. Umas vezes, pinto, porque tenho responsabilidades e outras porque sinto mesmo necessidade, é a minha maneira de estar na vida, para me sentir bem comigo mesmo e com os outros.

A sua obra tem muita cor…

Eu procuro, no meu trabalho, privilegiar a cor em função da forma. Primeiro está a cor, depois é que está o resto. Essencialmente, é uma buscar da luz, da cor. A forma fica para segundo plano. Mas a minha pintura não é totalmente abstracta. A minha pintura tem sempre um sentido, tem uma leitura fácil. Mas, essencialmente, é a cor que eu busco e a harmonia, o equilíbrio e intensidade das cores. É por aí que eu vou… Trabalho essencialmente com acrílicos. Uso óleos para pintar retratos, para pintar pessoas, permite outra transparência. Para obter certos efeitos tem que ser óleo. 

Sente que o seu trabalho é reconhecido? Há pouco, disse que, se as pessoas não gostassem, não faria diferença, continuaria a pintar. Mas fica naturalmente satisfeito que as pessoas o reconheçam.

Claro, é melhor gostar do que não gostar, embora eu continuasse na mesma a pintar, mas pronto. Felizmente, as pessoas gostam do meu trabalho, a maior parte. Prefiro que gostem do que não gostem. Não querendo ser repetitivo, neste momento, uma crítica a mim, seja negativa ou positiva, a emoção que sinto é quase a mesma.

Já houve alturas em que isso tinha outro impacto?

Não, não. No princípio, era criticado, claro, como todos os pintores. Pessoas que sabiam mais que eu apontavam-me erros, algumas até por maldade. Mas é curioso que nunca me desanimou. Sempre andei para a frente, nunca me deixei afectar. E mesmo hoje em dia, outra crítica qualquer que venha, negativa, não mexe comigo, não provoca qualquer tipo de rancor. Como disse, a maioria das pessoas gosta do meu trabalho e o caminho é para a frente. Não é uma crítica negativa que me vai deitar a baixo.

[in Jornal de Barcelos, 22 de Novembro de 2017]

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