Lidar “com pessoas que estão no seu processo de viver o seu processo de morrer, estão a viver o seu último processo de vida”, assim explica Eduardo Carqueja, psicólogo clínico e da saúde, o que são cuidados paliativos. “Aliviar ou prevenir o sofrimento que é evitável” é a intenção, conta Catarina Simões. “Olhar o doente [em fase terminal] como um todo e aliviar-lhe o sofrimento para dar qualidade de vida no fim de vida”, acrescenta a enfermeira do Hospital da Luz – Arrábida. E tudo isso exige, desde logo, algum desprendimento dos profissionais, considera Eduardo Carqueja, do Hospital de S. João: “Estar com estes doentes é isto: o tempo é o tempo do doente, o tempo da família, não é o nosso tempo”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define cuidados paliativos como sendo os cuidados que procuram “melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado”. De forma sintética, a ideia passa por amenizar a dor e o sofrimento dos doentes terminais, proporcionando-lhes a máxima qualidade de vida possível. O apoio alia ciência e humanismo e não se limita, contudo, aos doentes, mas também aos seus familiares e cuidadores informais, capacitando-os a lidar com a doença.
Sexta-feira, em véspera do Dia Mundial dos Cuidados Paliativos (13 de Outubro), mais de uma centena de pessoas reuniu-se, em Barcelos, para reflectir sobre o assunto. Médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais, quiseram “Reflectir, comunicar e cuidar em cuidados paliativos”, num encontro promovido pela Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do Hospital Santa Maria Maior.
115 doentes apoiados num ano
De acordo com dados do Ministério da Saúde, fornecidos à Agência Lusa, em Maio deste ano havia 43 equipas intra-hospitalares de suporte, sendo que 17 foram criadas entre 2016 e 2018. Em Barcelos, no Hospital Santa Maria Maior, a Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos existe há um ano, embora a preparação e estágios formativos tenham começado em 2016.
Fernanda Silva é enfermeira e pertence à equipa multidisciplinar – constituída por duas enfermeiras, duas médicas, uma psicóloga, uma assistente social e um padre – desde início. “O nosso trabalho é feito dentro do Hospital. Os médicos pedem-nos colaboração e, dentro daquilo que são os cuidados paliativos, controlamos sintomas, damos apoio à família, numa intervenção contínua, enquanto o doente está hospitalizado. Quando o doente tem alta, fazemos o seguimento a partir de uma consulta externa e, quando não há possibilidade de o doente ir para o domicílio, fazemos a referenciação para os cuidados paliativos, umas unidades próprias para a situação em que ele se encontra”, explica a enfermeira. “Os cuidados paliativos pressupõem um trabalho com o doente e com a família no início da doença, quando já se sabe que é incurável, que não há tratamento ou os tratamentos de quimioterapia não foram eficazes e, então, passamos para uma fase de paliação – controlar sintomas, controlar a dor, ver últimos desejos, ajudar a família na gestão de coisas em casa, antecipar episódios, como os desejos do doente de como quer ir vestido no funeral, questões do banco, questões de Segurança Social, de partilhas de bens”, conta Fernanda Silva.
No primeiro ano de existência, a Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do Hospital Santa Maria Maior apoiou 115 doentes, entre consulta e visitas no internamento.
De acordo com dados da Associação Nacional De Cuidados Paliativos, por ano, 89 mil portugueses precisam de cuidados paliativos. Contudo, cerca de metade dos doentes morre sem ter resposta, sem ter esse apoio. E também no luto é possível mitigar o sofrimento, quão mais eficaz for este trabalho antes da morte. “À medida que criamos uma relação com o doente e com a família, podemos começar também a falar dessas questões, a preparar o doente”, começa por explicar Fernanda Silva, para logo depois exemplificar: “O doente diz-nos que vai morrer e nós não podemos dizer que não. Temos que criar expectativas reais na pessoa e também fazemos isso com a família. A família pergunta ‘Ele chega até ao Natal?’. Não é uma coisa que nós saibamos, porque não podemos prever. Mas podemos antever, trabalhar e conversar, se está a agravar a situação ou a evoluir, dar uma perspectiva de dia para dia à família, para estarem preparados e para trabalharmos também a revolta”.
Trabalhar nos cuidados paliativos exige entrega dos profissionais, mas também uma desconstrução daquela que é tida como a missão dos profissionais de saúde. “Estamos formatados para a cura. O nosso papel aqui é perceber que, quando isso não pode acontecer, não podemos ficar frustrados. O nosso trabalho é precisamente apoiar nesse processo de doença que não tem cura, que acaba muitas vezes na morte”, conta Fernanda Silva. Também aqui importa o “trabalho interior, relacional, de comunicação, de estar” dos profissionais de saúde. “Porque nós também nos envolvemos, também sofremos com as famílias e com os doentes e temos que ter uma gestão de sentimentos presente, para que na nossa vida pessoal possamos estar bem, porque não podemos ajudar se não estivermos bem”, acrescenta a enfermeira a tempo inteiro da Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do Hospital Santa Maria Maior.
[in Jornal de Barcelos, edição de 17 de Outubro de 2018]