“Recebo mais do que aquilo que dou”

Todas as quartas-feiras – já lá vão mais de 20 anos –, Maria, como prefere ser chamada, vem à Santa Casa da Misericórdia de Barcelos rezar o terço com as pessoas idosas. “Venho aqui porque me preocupo com elas, mas, às tantas, elas preocupam-se mais comigo”, conta ao Encontro de Gerações. Um testemunho apaixonado de quem, com o Voluntariado, segue a Missão que sente e preenche o que poderia ser um vazio.

É com um sorriso no rosto e de forma apaixonada que Maria partilha a sua experiência de voluntariado. Tem 50 anos e metade deles a ajudar o Outro.

Sentiu a Missão, já lá vão mais de 20 anos, na Universidade: “Quando andava na Universidade, como cristã que sou, inscrevi-me num grupo de jovens cristãos. Nós tínhamos um encontro semanal e não só abordávamos a leitura do domingo seguinte como entendemos que deveríamos partir para a Missão”. Por sugestão do Padre que os orientava, começaram a prestar cuidados a pessoas idosas, em questões práticas do quotidiano, mas também, e sobretudo, no que aos afetos dizia respeito. “Como sou muito devota de Nossa Senhora, achei que talvez a minha Missão fosse rezar o terço, uma vez que era uma coisa que as pessoas idosas gostavam muito, e comecei a fazê-lo com uma colega”, recorda.
No ano seguinte, a Missão foi alargada e aqueles jovens cristãos – entre eles, Maria – passaram a ir a um lar de idosos. “Íamos, não só para rezar, mas também escutar, conversar um pouco, para que as pessoas sentissem que alguém se interessava pela vida delas, por aquilo que também tinham para contar. Dar um sorriso, às vezes, bastava para nos darem um sorriso também. E uma coisa que os idosos gostavam muito era de rezar o terço e, então, rezávamos”.
Entretanto, Maria terminou o curso – é professora –, casou e veio morar para Barcelos. “Certa vez, ali em Santo António, na missa, o Padre disse ‘É preciso catequistas, é preciso trabalhadores para a Missão’, e ofereci-me para ser catequista”, recorda. Quando contou ao sacerdote a Missão que tivera no grupo de jovens, foi desafiada a continuar e acedeu a rezar com os idosos, no Lar da Misericórdia. Assim começou, há 23 anos.

“Foi um vazio que se preencheu”

Na altura, há mais de 20 anos, fazer voluntariado numa cidade que estava ainda a conhecer foi como “um vazio que se preencheu”. Maria recorda bem o início: “Recordo-me de ser acolhida pela Irmã Emília, de braços abertos. Recordo-me que os idosos me olhavam todos com um sorriso no rosto. Senti que estavam todos dispostos a dar-me um beijo e um abraço. Ou seja, só com o sorriso, senti que fui acolhida por eles no momento”. O sorriso era como que um abraço que recebia: “Às vezes, penso: vou lá rezar o terço e os idosos ou as colaboradoras dizem ‘Você é impecável, tira um bocadinho do seu tempo para vir aqui rezar com os idosos, estar com eles, eles gostam tanto de rezar o terço’. Aqui há uns tempos, até disse a uma colaboradora ‘Eu recebo mais do que aquilo que dou’. É mesmo verdade. Porque, chegar aqui, o saberem o meu nome, o estenderem-me a mão e depois tudo aquilo que contam e dizem ou a preocupação que têm em perguntar se está tudo bem comigo e com os meus…”. “Realmente, estas pessoas dão-me muito”, conclui.

“Há sempre alguém que sinto que quer um bocadinho mais de atenção”

Todas as quartas-feiras, Maria reza o terço com os idosos, no Lar da Misericórdia. Também já o fez no Lar Rainha Dona Leonor. “Venho porque quero e não venho para receber nenhum ‘Obrigada’, porque saio daqui mais feliz do que entro. Mas eles dizem ‘Obrigada, foi tão bom vir rezar connosco’”, conta Maria, ao Encontro de Gerações, para, logo depois, completar, com um sorriso: “Eu recebo muito da parte deles. São muito carinhosos, muito de abraços, de beijos, de elogios, de agradecimentos, são espetaculares. Dão-me muito!”.
O voluntariado é entendido como “o conjunto de ações de interesse social e comunitário, realizadas de forma desinteressada e sem fins lucrativos, no âmbito de projetos, programas ou outras formas de intervenção, ao serviço de indivíduos, famílias e comunidades”. O voluntariado faz a diferença no dia a dia das pessoas – no caso, na vida dos nossos utentes –, mas também no quotidiano de Maria. “Estes idosos ensinam-me que é preciso ter tempo para escutar e que isso lhes traz felicidade. Depois, no fim, também me sinto feliz, porque fui capaz de escutar.
Isto fez-me ser mais paciente, mais compreensiva e ajuda-me a compreender que, um dia mais tarde, quando tiver mais idade, também vou ser igual e também vou querer que alguém me escute. Então, se vou querer que mo façam, também o devo fazer, porque, se a gente não semeia, não colhe. E isto influencia muito na minha vida. E a partilha dos outros também nos enriquece”, sublinha a voluntária.
Maria reza com as pessoas idosas, mas vai mais além e sabe da necessidade que estas têm em partilhar e em ter quem as escute atentamente: “Há sempre alguém que sinto que quer um bocadinho mais de atenção. Às vezes, sento-me um pouco ao lado dessa pessoa e sinto que me agarra na mão com força, que é para eu não me ir embora, para ficar mais um bocadinho. Acho que aquele calor humano é importante para eles. Mas eles não sabem que eu sinto o mesmo: aquela partilha que fazem comigo, aquela mão que tem história para contar, que me faz também muito bem. Eles agradecem e eu digo ‘Obrigada, foi muito bom estar convosco’. “Acho que eles e elas, às vezes, nem se apercebem do tanto que me dão. Dão-me mesmo muito!”, remata Maria, voluntária na Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, há 23 anos.

[Publicado em “Encontro de Gerações”, edição n.º 46, de outubro de 2019]

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