Gradualmente, vão sendo levantadas as medidas de confinamento, em Portugal. O regresso à normalidade possível, em contexto de pandemia, vai sendo feito.
A população portuguesa esteve, desde meados de março até princípio de maio, em confinamento. Quem continuou a trabalhar, fosse presencialmente ou através de teletrabalho, apresenta melhores indicadores globais de saúde mental, como sejam sintomas depressivos, ansiedade, stress e sintomas obsessivo-compulsivos. O mesmo acontece com quem pratica exercício físico e consome informação sobre a COVID-19 durante menos de uma hora por dia. São estes, pelo menos, os primeiros resultados de um estudo que está a ser levado a cabo pela Escola de Medicina da Universidade do Minho (UM), para avaliar a evolução do estado psicológico de um conjunto alargado de participantes em Portugal e Espanha ao longo da pandemia.
Pedro Morgado é um dos autores do estudo. Professor e vice-presidente da Escola de Medicina da UM e psiquiatra no Hospital de Braga, esteve à conversa com o Encontro de Gerações.
Como é que a sociedade reagiu e se foi adaptando à realidade da pandemia: ao confinamento, ao recolhimento domiciliário, ao próprio receio de infeção?
Primeiro, ficámos todos ansiosos com a situação. À medida que o tempo passou, a maior parte das pessoas conseguiu adaptar-se à situação, embora os níveis de ansiedade possam manter-se globalmente elevados.
Acaba por ser uma situação inédita em Portugal, nos últimos cem anos. O que é que vai causando maior sofrimento psicológico às pessoas?
Em primeiro, o medo da infeção, do contágio e das suas consequências. Em segundo, o facto de termos que ficar confinados, alterando significativamente os nossos padrões de vida, os nossos hábitos e os nossos relacionamentos. Em terceiro, as outras consequências da crise pandémica: sociais, económicas, adiamento de cuidados de saúde. No seu conjunto, estas alterações geram sofrimento e ansiedade que acabam por ajudar ao processo de adaptação e aprendizagem que é necessário para superar a crise. Para algumas pessoas, a ansiedade e o sofrimento acabam por se manter durante mais tempo do que o desejável e por se tornarem um problema que precisa de cuidados e tratamento.
E, por outro lado, o que tem um efeito catártico e vai trazendo algum alívio?
Sem dúvida: o facto de estarmos a viver coletivamente esta crise e a confiança que temos no facto de a conseguirmos ultrapassar são fatores que têm um efeito positivo e que nos ajudam a encontrar forças para a superarmos.
Tivemos crianças ‘fechadas’ em casa, pais em teletrabalho, há ainda pessoas em regime de lay-off ou em risco de desemprego. Que impacto é que tudo isto tem na saúde mental das famílias? Que marcas vai deixar?
As famílias tiveram que ajustar os seus hábitos e, em muitos casos, viram-se confrontadas com situações de grave carência económica motivada pelo desemprego, pelo lay-off, mas também pela redução abrupta dos rendimentos. As questões relacionadas com o emprego têm um impacto brutal na saúde mental e o contexto familiar também – e são dois campos onde os problemas se potenciam. É preciso muita atenção às famílias mais vulneráveis e menos estruturadas ao longo do próximos tempos.
Como já referimos, a maioria das pessoas vai adaptar-se e encontrar formar de ultrapassar as dificuldades que passam por procurar alternativas de empresa (quando existirem), dividir tarefas familiares de uma forma mais justa, procurar apoio nas redes de suporte mais largado e encontrar novas formas de comunicação no contexto familiar.
Olhando para quem está linha da frente, muitas vezes, a trabalhar mais horas e a privar-se do contacto familiar: estas pessoas estavam preparadas para isto? Que aprendizagens podem levar para o futuro?
Aqui também há riscos significativos de exaustão que têm que ser prevenidos. É muito importante garantir períodos de descanso a todos os profissionais, procurar elaborar os horários com uma antecedência que permita a organização adequada das suas vidas familiares e garantir formação e materiais de proteção adequados para reduzir os impactos negativos da pandemia nos profissionais de saúde e do setor social.
É expectável que, depois da pandemia (no que respeita à saúde pública, mas também com consequências sociais e económicas), haja um aumento da ansiedade, do stress, da depressão ou de outros problemas associados à saúde mental?
Sempre que fomos confrontados com situações deste tipo, verificaram-se aumentos dos problemas de saúde mental. Algumas pessoas vão experienciar doenças psiquiátricas ao longo dos próximos meses e é preciso garantir que os serviços de saúde têm respostas adequadas. Os problemas mais frequentes serão de tipo ansioso, mas também irão surgir problemas de sono, problemas depressivos, situações de doença obsessivo-compulsiva ou de stress pós-traumático.
A Santa Casa da Misericórdia de Barcelos teve crianças em casa, pessoas idosas e doentes privadas de visitas, apesar de manterem contacto por outras vias. Que impacto poderá ter esta realidade?
O isolamento social, sobretudo nos extremos em termos de idade (infância e idade avançada), tem consequências nefastas. Para as crianças, a vida social é indispensável ao desenvolvimento adequado. Nos mais idosos, o isolamento social acelera a mortalidade. É preciso equilibrar as precauções em termos de contágio com a necessidade de preservar o convívio e a vida social.
O que poderá mudar depois de tudo isto terminar – não se sabe, ao certo, quando?
Não sabemos ao certo quanto tempo esta situação irá durar. O que sabemos é que durante um período vamos mudar significativamente os nosso hábitos e que, depois, com grande probabilidade, vamos recuperar grande parte dos nossos hábitos pré-pandemia. A Humanidade já ultrapassou uma pandemia semelhante há mais de um século. A única certeza que temos é que também iremos ultrapassar esta situação.
*Foto: UMinho/DR
[Publicado em “Encontro de Gerações”, edição n.º 48, de junho de 2020]